sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Iron Maiden: uma questão de vida e morte


Por Ronaldo Costa

Qualquer coisa que envolva ou tenha envolvido o nome Iron Maiden no decorrer de sua longa história sempre foi motivo para debates acalorados e construção de opiniões extremadas a respeito do que se pretendia discutir. Poucos foram os artistas, em toda a história do rock e da música em geral, que geraram tanta polêmica e conseguiram mobilizar tantas reações de amor e de ódio. Sobre tudo o que se fala da lendária banda britânica, o que há realmente de verdade e de mentira? Este texto não pretende se impor como a única e grande realidade e, sim, convidar o leitor a raciocinar e tirar por si próprio suas conclusões.

A história da banda dispensa grandes apresentações. Nascido na segunda metade dos anos 70, o Iron Maiden surgiu em meio ao “boom” do punk rock e numa época em que o heavy parecia caminhar para a estagnação, ainda que bandas como Judas Priest e Motörhead mantivessem o estilo vivo. Fazendo um rock pesado, com canções melódicas e ao mesmo tempo raivosas, com um pé na vertente progressiva adotada por UFO e Jethro Tüll, mas ainda totalmente metal, o grupo inglês foi angariando fãs pela Inglaterra. Quem já pôde assistir a qualquer registro ao vivo da banda em seu início de carreira, constatou o quão impressionante era a reação que conseguiam despertar na audiência. Logo se destacaram dentro da chamada New Wave Of British Heavy Metal como seu mais emblemático representante. Nos anos seguintes, construíram uma das discografias mais espetaculares de toda a história do metal, ao mesmo tempo em que colocaram o estilo num outro patamar em relação a antes de sua existência. Conquistavam e ainda conquistam legiões de devotos por todo o mundo. A questão é que também sempre suscitaram discussões e reclamações sobre as mais variadas coisas e, na grande maioria das vezes, debates levantados justamente por aqueles que se declaram seus fãs.

O enorme sucesso que experimentaram em toda a sua carreira, em alguns momentos de forma mais intensa e, em outros, nem tanto, sempre andou de mãos dadas com reclamações, críticas e discussões sobre os mais variados aspectos. Isso ocorreu durante toda a sua trajetória, só que, de algum tempo pra cá, a coisa se tornou bem mais intensa, algumas vezes com um fundo de lógica, mas em outras, de forma totalmente incompreensível.

Sempre houve reclamações. Quando Paul Di Anno saiu da banda, muitos não viram com bons olhos a entrada de Bruce Dickinson, pois o mesmo não teria a mesma “atitude”, a mesma agressividade e o mesmo estilo vocal de seu antecessor. Bruce, após alguns anos, passou a ser quase que literalmente endeusado por milhões de fãs ao redor do mundo. Em outro exemplo, o álbum “Somewhere in Time” foi recebido com pouco entusiasmo por alguns, os mesmos que reclamavam da falta de inovações no som da banda. O motivo? As inovações que o grupo trazia ao seu som naquele momento, como uma maior exploração dos teclados e o uso de guitarras sintetizadas. Atualmente, o disco é tido como um clássico dos chamados “golden years”. Mais duramente criticado ainda foi o seu sucessor, “Seventh Son Of A Seventh Son”, seja por ter sido um disco conceitual, seja por ter utilizado teclados de forma mais intensa ainda, seja por ter trazido uma música que se aproximava um pouco do pop (Can I Play With Madness). E o que aconteceu com esse álbum anos após? É apontado por muita gente como um dos melhores de toda a discografia da banda.

O Iron Maiden tem uma enorme legião de admiradores, fãs esses de todas as características. Existem aqueles, e não são poucos, que são capazes de dizer que um novo álbum da banda é um clássico, antes mesmo de tê-lo ouvido ou, às vezes, antes até que o mesmo tenha sido lançado. Mas também há um outro grupo que jamais esteve e jamais estará satisfeito com qualquer coisa que a banda faça. Tudo isso fez com que muita gente considerasse os fãs do Maiden como entre os mais “chatos” do rock.

Nos últimos anos, algumas idéias com relação à banda foram se reforçando, a ponto de hoje serem proferidas como verdades absolutas e inquestionáveis. Alguns detratores do grupo começaram até mesmo a questionar sua real importância e grandeza dentro do contexto do metal, afirmando que o Maiden não trouxe nenhuma inovação ao estilo, que a banda era muito menos do que os seus fãs imaginavam, que plagiou harmonias de outros conjuntos, que fazem um som apenas para adolescentes imaturos, que fazem sucesso apenas no Brasil e em alguns outros países subdesenvolvidos, que “enganam” seus fãs, que não ousam, não se arriscam, não inovam em seu som, que sempre gravam o “mesmo disco”, que são sempre as mesmas harmonias, a mesma estruturação, que seguem uma fórmula pronta de sucesso garantido, que hoje tocam apenas pelo dinheiro, etc, etc, etc. E, pra piorar, ainda iniciou-se toda uma discussão nos últimos tempos, questionando a qualidade dos músicos.

Pois bem, vamos aos fatos. Negar a importância do Maiden para o metal é algo totalmente descabido, ainda que o indivíduo deteste a banda. Inegavelmente, foram eles que lideraram um movimento que tirou o heavy metal do marasmo e redefiniu várias de suas características enquanto estilo musical. São, provavelmente, a banda mais bem sucedida da história do metal. O Maiden talvez só perca em influência dentro do heavy para o Black Sabbath. São incontáveis as bandas que já citaram abertamente o Maiden como uma de suas grandes influências. Metallica, Megadeth, Helloween, Anthrax, Dream Theater, Cradle Of Filth, Dimmu Borgir, Children Of Bodom, Sonata Artica, Nocturnal Rites, Stratovarius, Six Feet Under, Blind Guardian, Primal Fear, apenas para citar alguns exemplos. O hoje sexteto inglês conquistou ainda o respeito e admiração de um outro grande contingente de bandas que existiam antes do próprio Iron Maiden, como Kiss, AC/DC, Dio, Motörhead, Judas Priest, as quais já fizeram elogios públicos à banda e à sua obra.

A afirmação de que o Maiden atualmente faz sucesso apenas em locais obscuros e fora dos “grandes centros consumidores”, além de preconceituosa é errada, a não ser que se considere que só se tem sucesso quando esse sucesso ocorre dentro dos Estados Unidos, um mercado conhecido por sua maior volatilidade, propensão a modas que vem e vão, lugar inclusive onde o metal nunca teve grande espaço, se comparado a outros estilos musicais. Basta ver que a banda foi capaz de esgotar com 8 meses de antecedência os ingressos para o braço europeu de uma turnê de divulgação de um álbum sobre o qual nada se sabia. Há de se acrescentar ainda, por exemplo, as vendagens de seu último disco, o qual alcançou o primeiro lugar em inúmeros países. Ainda que nada disso seja sinônimo de qualidade, pode ser considerado um atestado de que a banda não é irrelevante como alguns tanto dizem.

Caras como Bruce Dickinson, Steve Harris, Adrian Smith e Dave Murray seriam então músicos de pouca qualidade?!?!?!?!? E álbuns diversos como “Killers” e “Somewhere in Time, “Iron Maiden” e “Dance of Death”, “No Prayer For The Dying” e “Brave New World”, salvo o fato de carregarem as características clássicas do Iron Maiden, seriam então a mesma coisa?!?!?!?! Será que não dá pra perceber uma diferença, no mínimo, considerável entre músicas como “Prowler” e “Infinite Dreams”, “Purgatory” e “Alexander The Great”, “The Clansman” e “Die With Your Boots On”?!?!?!?!?!

Sobre tocarem apenas por dinheiro, há de se observar que o Maiden atravessou três décadas mantendo-se fiel ao seu estilo de som, sem fazer concessões. Nasceram dentro da onda do punk rock, passaram pelo glam rock, pelo “hard farofa”, pelo grunge, pelo “nu metal”, sempre tocando seu velho metal tradicional. Sim, a banda lança dezenas de coletâneas, DVDs, compilações. Mas isso tem mais a ver com explorar comercialmente seu material do que SER comercial, que seriam se tivessem aberto mão de seu som para tocarem o que estivesse mais “na moda” e fosse melhor aceito pelo grande público. É óbvio que Steve Harris e Rod Smallwood gostam de dinheiro e têm grande talento para ganhá-lo, mas se existe algo de que não se pode acusar o Maiden sobre hipótese alguma, é de terem mudado seu som por questões comerciais. Não fosse assim, não teriam gravado um álbum onde a maioria das músicas têm 8 ou 9 minutos.

Só que o Maiden não é feito só de acertos. Apesar da integridade e respeito aos fãs que sempre apresentaram, certas coisas são, sim, dignas de críticas. Tudo bem que Steve Harris foi o fundador e principal compositor da banda, que eles chegaram onde chegaram devido à fé que o cara sempre teve em suas convicções. Só que talvez o Maiden pudesse viver num regime menos “ditatorial”. Sim, todos podem colaborar na banda com composições, sugestões e tudo mais, só que, ao que se sabe, só é levado adiante o que o chefão acha certo. Isso, por vezes, pode frear a contribuição criativa que os outros membros da banda poderiam estar dando em escala muito maior. A produção dos últimos álbuns do grupo, embora não seja tão pífia como o exagero de alguns insiste em afirmar, pode sim ser melhorada, principalmente quando tomamos como comparação os discos magistralmente produzidos por Martin Birch. Certas jogadas de marketing, como realizar um concurso para escolher o novo vocalista da banda quando esse já havia sido escolhido, são coisas dispensáveis e lamentáveis. O próprio Bruce Dickinson, ao sair da banda, chegou a renegar de forma velada o metal e apenas voltou a fazê-lo quando não conseguiu o sucesso que esperava com trabalhos mais intimistas ou tendendo a públicos mais voltados ao componente “mainstream” da cena. Até mesmo o festejado retorno da formação clássica da banda e seu guitarrista “bônus” atenderam também, e dentre outras coisas, a interesses comerciais, já que, a despeito dos trabalhos que ambos vinham realizando, tanto o Iron quanto o próprio Bruce não conseguiam mais o mesmo sucesso com que sempre estiveram acostumados. Os sempre criticados setlists dos shows da banda poderiam ser muito melhor explorados. É inexplicável como uma banda que tem tantos clássicos e que sabe que os fãs anseiam por ouvir inúmeras canções que eles não executam há vários anos, algumas até nunca tocadas ao vivo, insiste em tocar sempre as mesmas músicas. Tudo bem que quando resolvem dar uma mudada mais radical no setlist, como na tour de divulgação do “A Matter Of Life And Death”, ouvem proporções iguais de elogios e reclamações, mas até mesmo as músicas antigas que tocam nessa turnê são as mesmas que tocam em todas as excursões anteriores.

Nem só de clássicos é feita a discografia do Maiden. Existem álbuns que podem ser considerados mais fracos, canções que podem ser ditas realmente ruins. Só que o que é ruim para alguns pode não ser para outros.

De tudo isso, a principal queixa é e sempre será a de que a banda não é mais a mesma. Colocam que o grupo já não soa mais como em seu período clássico, que num passado recente era considerado entre 1980-1985 e hoje já é admitido como referente até 1988, quando da gravação do álbum “Seventh Son Of A Seventh Son”. Tudo o que a banda teria feito após esse período seria de menor valor, seja os 2 álbuns com Bruce e sem Adrian Smith, seja a discutida “fase-Blaze”, seja os 3 discos após a volta de Dickinson e Smith.

Se são, normalmente, as mesmas pessoas que afirmam que o Iron sempre se repete, como uma banda pode ao mesmo tempo se repetir e não soar como “antigamente”? No mínimo, contraditório. Criou-se um verdadeiro dogma sobre o qual os fãs que a banda conquistou nos últimos 18 anos não saberiam o que é o verdadeiro Iron Maiden, que seriam pessoas que aceitam qualquer coisa que a banda faça, que seriam fãs radicais e de “mente fechada” que relutam e reconhecer que o atual trabalho da banda é horrível, desprezível, sem valor.

Digamos que realmente o atual som da banda não seja tão forte, tão belo ou com tanta pegada quanto o som anterior. Cabe então perguntar, qual é a banda dos anos 70 ou 80 que ainda esteja na ativa e que se mantém gravando clássicos atrás de clássicos até hoje? Quem tem a mesma energia e o mesmo vigor criativo que tinha quando no seu chamado auge?

Mas gostar de algo não é uma questão subjetiva? É certo que aquilo que a maioria das pessoas elogia e gosta acaba sendo considerado bom ou ótimo, clássico, antológico, a depender do nível de aceitação. Só que qual é o problema em alguém gostar de algo que outro não achou tão agradável? Um trabalho, qualquer que seja, deve ser avaliado por si próprio, não apenas em comparação aos anteriores. O fato de que um lançamento não seja considerado melhor que algo feito antes, não implica em dizer que, necessariamente, tal trabalho seja ruim. Se tantas pessoas começaram a gostar de Iron Maiden nos últimos anos, por meio de seus discos mais recentes, será que esses trabalhos são realmente de qualidade inferior? Ou será que a cabeça fechada está em alguns que não aceitam o atual, o direcionamento que os caras resolveram dar à sua carreira? Quem garante que discos criticados hoje não serão considerados clássicos no futuro, tal como já aconteceu em trabalhos anteriores da própria donzela? E mais, o cara que descobriu o Maiden por meio do “The X Factor” sabe menos que o que os conheceu pelo “Killers”? Ele não conheceu, posteriormente, tudo o que a banda já tinha feito? Ainda, esse mesmo cara não pode considerar que a fase dita clássica da banda é realmente a melhor e, mesmo assim, continuar gostando do “The X Factor”? Ou também não pode existir alguém que ouça Maiden desde o “Powerslave” e que depois tenha se encantado com o “Brave New World” a ponto de colocá-los em pé de igualdade? Aquilo que é motivo de críticas deveria, na verdade, ser motivo de elogios, que é o fato de uma banda com tantos anos de estrada ainda querer produzir material novo e não viver apenas de passado como alguns gostam de dizer. O Maiden não vai fazer outro “Piece Of Mind” porque eles já fizeram um. E se estivessem fazendo, estariam sendo criticados por querer fazer sempre a mesma coisa.

Por fim, qualquer questão que envolva gostos pessoais não pode ser colocada como a verdade absoluta ou a grande mentira, o certo ou o errado. Música é feita para ser ouvida e sentida, não para ser avaliada por equações matemáticas ou raciocínios lógicos. Quem gosta, gosta. Quem não gosta, não gosta e também não tem que ser contestado por isso. O que um fã da Donzela de Ferro ou de qualquer outra banda sente ao ouvir suas canções prediletas não pode ser explicado por simples palavras. O carisma e a entrega que os caras têm e sempre demonstraram, passa para seus fãs um sentimento que apenas eles sabem o que é. E isso, definitivamente, não creio que haja alguém que possa explicar. E você, o que acha?

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